Eu acho incrível que mesmo depois de 4 anos do seu início, ainda aprendo tanto com o Projeto 198 Livros. Dessa vez fui surpreendida com a mudança do (pasmem!) nome do país. Pois em janeiro de 2019 quando iniciei o projeto, o país se chamava Antiga República Iugoslava da Macedônia. Avançamos para abril de 2023, quando eu sorteei o país no projeto, e seu nome oficial agora é Macedônia do Norte.
Para poder entender um pouco mais sobre a Macedônia do Norte, a primeira coisa que fiz foi pesquisar como, quando e por que da mudança do nome. Em seguida, para poder pegar algumas ideias de qual livro iria ler para o projeto, fui conferir as listas da brasileira Camila Navarro e da britânica Ann Morgan.
A opção da Camila pareceu ser boa, mas falava da época da Segunda Guerra Mundial e eu queria um livro que retratasse uma parte mais atual da história do país. Já a opção da Ann me pareceu destoar completamente do meu objetivo com esse projeto. Pois pelo que entendi, não falava nada sobre a cultura ou a história do país, apesar de ser um livro de um autor macedônio bastante premiado. Então fiz uma pesquisa intensa por diversos fóruns na internet até que encontrei um livro que me despertou bastante curiosidade.
A Spare Life da autora macedônia Lidija Dimkovska foi publicado originalmente em macedônio em 2012 e no ano seguinte venceu o Prêmio da União Europeia para Literatura. A história do livro se passa entre os anos de 1984 e 2012, ele narra um período da vida das irmãs siamesas Zlata e Srebra. Elas nasceram grudadas pela cabeça e o maior sonho das duas é se separarem para que cada uma possa começar uma vida normal.
O livro é narrado por Zlata, um das gêmeas siamesas unidas pela cabeça. As irmãs Zlata e Srebra moram em um prédio afastado do centro de Skopje. O apartamento que dividem com os pais é um lugar muito pequeno para os quatro. Eles são uma família de baixa renda, por esse motivo levam uma vida bem difícil. Eles mal tem recursos para as suas necessidades básicas e somente aquecem a água da casa uma vez por semana para banhos aos domingos.
Pra gente poder entender a complexa conexão das duas, logo no começo do livro Zlata diz: “A reação em uma de nós causava o mesmo na outra. Se uma de nós ria, a outra ria; se eu estava triste, Srebra também ficava; e quando Srebra ficava com fome, eu também tinha fome. Não sabíamos explicar o motivo disso melhor do que nossa avó: “O sangue de vocês se mistura. É por isso””.
O fato pelo qual as gêmeas não haviam sido separadas logo depois do nascimento foi porque elas compartilhavam uma veia muito importante na cabeça. Essa veia pulsava e causava muitas dores toda vez que uma ou a outra ficava brava demais, feliz demais, excitada demais ou triste demais.
Mas apesar das semelhanças físicas e de compartilharem o mesmo sangue, as duas não podiam ser mais diferentes. A deformidade também lhes causava um desconforto enorme. Certa vez quando subiram em uma cadeira no banheiro para se verem no espelho, Zlata confessa: “Tínhamos nojo uma da outra e de nós mesmas.”
As duas meninas sofreram muito durante toda a infância por conta da sua deformidade física. As pessoas na rua viravam o rosto quando as viam, as crianças se assustavam e poucos eram os familiares que as aceitavam como eram. Os próprios pais pareciam ter vergonha das filhas, pouca paciência e um certo aborrecimento por terem filhas assim. Quando bravo e irritado com algo, o pai sempre lhes dizia: “Criaturas vorazes. Vocês devoraram o mundo.” Essa frase aparece diversas vezes ao longo do livro e toda vez carrega um peso enorme.
Nesse livro acompanhamos através da visão da Zlata todos os desafios de viver uma vida grudada em outra pessoa, mesmo que essa pessoa seja sua irmã de sangue. Como é difícil para elas fazerem desde as pequenas tarefas do dia a dia, como usar o banheiro, tomar banho e dormir. Até quando já adolescentes, quando precisam decidir o que estudar na faculdade, uma quer fazer direito e a outra quer estudar letras. Ou então quando uma arranja um namorado, o qual ela beija e tem relações íntimas, enquanto a outra toma remédios para dormir e não ver nada!
Lógico que por todas essas razões citadas, o maior sonho de Zlata e Srebra é se separarem. Elas acreditam que depois que conseguirem uma cirurgia para separar suas cabeças, vão conseguir começar uma vida nova. Mas como conseguir o dinheiro para essa operação? Onde fazer essa complexa operação, já que em Skopje não haviam médicos especializados para tal cirurgia? Quais serão os resultados se conseguirem fazer a cirurgia? Já que pouquíssimas pessoas sobrevivem a operações tão complexas como essa? Afinal, as duas irmãs dividem uma veia muito importante na cabeça, dentro de qual corre muito sangue.
A história das gêmeas do livro corresponde com todos os eventos que aconteceram durante esse mesmo período na antiga Iugoslávia. Um país que existiu por 74 anos, o qual seu desmembramento deu origem aos seguintes países: Macedônia do Norte, Croácia, Montenegro, Bósnia e Herzegovina, Sérvia e Eslovênia. Kosovo é autodeclarado um país, reconhecido por dezenas de países por todo mundo, porém ainda luta pela sua independência da Sérvia.
Entender a vida complicada das duas, entender a razão pelas quais queriam sua independência é na verdade entender o que aconteceu com os povos eslavos do sul. São um povo que compartilham o mesmo sangue, o mesmo território, por vezes a mesma história, mas não poderiam ser mais diferentes. Pois os eslavos do sul possuem suas diferenças religiosas, étnicas e culturais.
Confesso que é um livro bastante desafiador, incomodo, cheio de detalhes e por vezes muito longo. Mas o que me ajudou a ler esse livro a apreciá-lo melhor foi ler sabendo que não se tratava literalmente das duas irmãs, e sim sobre os países da antiga Iugoslávia. Que baita livro, uma escolha excelente para o projeto. Vale muito a pena assistir a entrevista da autora nesse link aqui (em inglês).
A Spare Life foi publicado originalmente em macedônio em 2012. O livro está disponível em inglês na Amazon.
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