Se tem uma coisa que eu gosto muito nesse Projeto Volta ao Mundo em 198 Livros é sortear um país o qual ainda não viajei, para assim poder aprender um pouco mais sobre um lugar desconhecido. Mas se tem uma coisa que eu gosto ainda mais é sortear um país para o qual eu já viajei. Porque para mim, é como se eu pudesse viajar de novo para lá ou seja, revisitar o país. Foi assim que me senti quando vi que Finlândia tinha sido a sorteada da vez.
No verão de 2019 tive a oportunidade de viajar para Helsinque, a capital da Finlândia, onde além de visitar os principais pontos turísticos da cidade, tive também a oportunidade de conhecer o sol da meia-noite, que também é chamado de noite branca. Esse é um fenômeno no qual a luz do sol permanece visível quase 24 horas por dia durante uma parte do verão. Já nessa viagem pude perceber a importância do sol e do verão na vida dessas pessoas que moram na Finlândia, um país que é conhecido por seu inverno longo e rigoroso.
Para escolher o livro da Finlândia, primeiro fui conferir a lista da brasileira que também tem um projeto de volta ao mundo em livros, a Camila Navarro. Na ocasião, o livro que ela escolheu é um romance policial, como ela mesmo diz no seu post, esse é um gênero que tem ganhado força nos últimos tempos nos países nórdicos. Mas nao é o tipo de leitura que me atrai. Então fui conferir a lista da britânica Ann Morgan, que foi uma das idealizadoras desse projeto. Como a escolha dela também não me atraiu muito, resolvi fazer uma pesquisa na internet para achar um(a) escritor(a) finlandês(a) contemporâneo, que pudesse me apresentar um pouco mais da Finlândia dos dias de hoje.
True é o primeiro livro de ficção da finlandesa Riikka Pulkkinen a ser traduzido para o inglês. A autora, que nasceu e cresceu em Oulu no norte da Finlândia, estudou literatura e filosofia teórica na Universidade de Helsinque. Com 6 livros já publicados e maior parte deles reconhecidos internacionalmente, Riikka é um dos nomes mais aclamados da literatura finlandesa contemporânea. O livro “True” escolhido para o projeto, ficou entre os finalistas para o Prêmio Finlândia de Ficção de 2010.
O livro se apresenta de uma forma bem dinâmica, os capítulos vão sendo narrados alternadamente por diferentes personagens de uma mesma família. Dessa maneira, vamos descobrindo pedaços da história dessa família como se fosse uma colcha de retalhos que vai sendo tecida, algumas vezes por lembranças do passado e outras vezes por relatos do momento presente.
Uma das personagens do livro é Elsa, ela agora enfrenta um câncer e esta à beira da morte. Ela teve uma carreira muito bem sucedida como psicóloga infantil, famosa no meio acadêmico, viajou para vários países do mundo a vida toda por conta da sua profissão. Ela decide passar seus últimos momentos de vida em casa com a família, aproveitando coisas simples, como andar de carro com seu marido todas as noites, sem rumo, só para ver o anoitecer.
Seu marido, Martti, é um artista plástico de profissão mas que já há algum tempo não pinta mais telas e tem se dedicado bastante em cuidar da esposa no final de sua vida. Ele levou uma vida mais pacata do que sua esposa, se dividindo entre trabalho e cuidado da filha na casa da família na capital Helsinque e uma casa de veraneio em uma região de lagos chamada Tammilehto.
Nós somos apresentados também a filha desse casal, a médica Eleonoora. Na verdade a gente acompanha a história dela desde bem pequena quando tinha por volta de 3 anos de idade – e era praticamente criada pela babá, dado que sua mãe viajava muito à trabalho – até os dias atuais, onde ela é casada, tem uma filha em idade adulta e também tem se preocupado bastante com o bem-estar da mãe em seus últimos dias de vida.
Na verdade, tanto Martti quanto Eleonoora estão mais do que preocupados, eles tentam lutar e lidar com esse sentimento que em breve vão perder alguém muito importante na vida deles. Então entra em cena mais uma personagem, a neta de Elsa e Martti e filha de Eleonoora, a escritora Anna. Ela tem o hábito de criar histórias ao olhar pessoas aleatórias na rua. Ela imagina o que aquela pessoa faz, com o que trabalha, o que pensa e etc. Porém, tudo vai mudar quando certo dia ela vai visitar a avó Elsa e as duas se deparam com um vestido que ficou décadas e décadas no guarda-roupa e que na verdade pertencia a babá da Eleonoora, a Eeva.
Alguns capítulos também são narrados por Eeva. Durante os relatos de Eeva, o livro volta ao passado. Época em que ela cuidava da bebê Eleonoora de 3 anos, filha do casal Elsa e Martti. Ela conta como conseguiu esse emprego de babá, como foi se apaixonando por aquela criança, pela rotina de cuidar da criança praticamente vivendo o papel de mãe dela, as viagens de carro para a casa de veraneio e eventualmente, se apaixonando também pelo pai da criança (e seu patrão) Martti. Eles acabam tendo um caso que volta a tona no presente por conta do vestido de Eeva encontrado no guarda-roupa.
Acompanhamos um período que se expande por 3 gerações da mesma família. Apesar de parecer ter muitos personagens para contar uma história, depois que os primeiro capítulos passam a história vai ficando cada vez mais envolvente. Chega ser difícil de largar o livro, pois como o livro fica pulando entre passado e presente, você sabe o que vai acontecer mas você não sabe como aquilo aconteceu. É incrível a capacidade da autora em criar personagens tão sensíveis, relacionamentos afetivos tão reais e complexos.
Muito desse livro se dá em explorar a complexidade das relações familiares, a fragilidade da vida, os traumas que carregamos da infância, e o poder transformador das histórias não contadas. Que livro lindo! A escrita da autora chega muitas vezes ser quase poética e ao mesmo tempo visceral. Esse livro foi um presente do projeto 198 livros, certamente vou reler diversas outras vezes antes do final dessa incrível volta ao mundo literária.
True foi publicado originalmente em finlandês em 2010 e traduzido para o inglês em 2011. O livro está disponível em inglês na Amazon.
Para saber mais sobre o Projeto 198 Livros, clique aqui.