Quando eu digo que o Projeto 198 Livros me permite viajar o mundo sem sair de casa, muita gente não entende o que quero dizer com isso. Depois de ler os últimos dois livros de países da América Central, estou embarcando de mala e cuia para viver uma experiência completamente diferente em outro continente. Pois o sorteado da vez é o Chade, um país localizado na região central da África.
Logo no começo da pesquisa já deu para perceber que seria difícil encontrar várias opções de livros para que eu pudesse escolher um deles para o projeto. Um dos motivos disso é que o Chade passou por uma série de guerras civis brutais que afetou muito o desenvolvimento não somente da literatura como em todos as outras áreas do país.
Depois de uma extensa pesquisa nos fóruns de livros de outros países do site Goodreads, eu consegui encontrar apenas umas 2 ou 3 opções de livros de autores nascidos no Chade. Dentre eles, o que mais me chamou atenção, apesar de não ser o mais lido por estrangeiros, foi um livro de memórias de um sobrevivente da guerra civil dos anos 80 no Chade.
Tive que encomendar o livro de uma livraria dos Estados Unidos, pois aqui na Inglaterra não encontrei em lugar nenhum pra comprar. Por ser durante a época da pandemia de coronavírus, a entrega estava prevista para demorar 45 dias. Mesmo após esperar todo esse tempo, o livro nunca chegou.
Tive que contatar a livraria por e-mail e fui informada que a ordem havia sido cancelada e eu teria que efetuar o pedido novamente. Comprei do mesmo lugar porque era o único que vendia esse livro. Detalhe: eles haviam aumentado o preço do livro e tive que esperar outros 45 dias pra entrega. Ou seja, no total demorou uns 3 meses pra eu finalmente ter esse livro em mãos.
A Teenager in the Chad Civil War é um livro de memórias de Esaie Toingar, nativo do sul do Chade, que hoje em dia trabalha como engenheiro e vive refugiado no estado de Iowa nos Estados Unidos. O autor narra um período de 4 anos da sua adolescência em que ele decidiu se juntar as forças rebeldes do país como uma forma de tentar sobreviver as guerras civis que devastavam o país.
Após garantir a independência da França em 1960, o Chade mergulhou em uma profunda guerra civil. O autor inicia o livro dando uma breve introdução sobre a divisão geográfica e religiosa do país, onde a maioria da população do norte praticamente mora num deserto e é composta por muçulmanos. Enquanto a população do sul – a qual o autor pertence – mora em uma região de muitos rios e floretas e é formada principalmente por católicos.
Aos 14 anos de idade, Esaie sofria todos os dias com o medo de ser capturado e morto pelo exército do país, um exército que respondia às ordens do então presidente do país Hissène Habré, um verdadeiro ditador que perseguiu, torturou e matou seu próprio povo. Seu exército realmente caçava as pessoas, queimava suas casas e roubava seus pertences. Povo esse que vivia escondido no meio do mato pra não morrer. Muitas vezes sem ter onde dormir, o que comer, o que que beber e sem nem poder enterrar seus entes queridos.
Apesar do assunto do livro ser bem trágico, eu imaginava que os acontecimentos relatados fossem ser brutais. Sim, tem um ou outro acontecimento triste, mas nenhum deles é detalhado ao ponto de embrulhar o estômago.
Porque na verdade o autor não era um soldado. Ele era apenas um menino tentando sobreviver. E por ser bastante religioso e acreditar na palavra de Deus, ele não compactuava com o que os outros soldados faziam. Por exemplo, ele não matou, não roubou, não torturou – ele procurava ficar o mais distante que pudesse de problemas. Inclusive ele acredita que só sobreviveu pela graça de Deus.
Outra coisa que acho bacana mencionar, é que esse é um livro de relatos de um sobrevivente. Ele não é um escritor, então não dá pra esperar um texto super complexo. Eu notei que as sentenças do texto são bem simples, assim como a narração dos fatos.
Mas mesmo assim fiquei satisfeita com a escolha desse livro, pois pude aprender um pouquinho mais desse país tão pouco conhecido, né? Descobri um pouco mais sobre a triste guerra civil do país, aprendi através dos relatos do autor como é a relação entre os mais jovens e os mais velhos, por exemplo, como os mais jovens precisam respeitar o que os mais velhos dizem e decidem.
Pude também entender um pouco mais sobre algumas coisas da cultura local, pois o autor conta um pouco sobre o seu avô homem-leão, em algumas outras passagens do livro ele fala sobre os gris-gris que são talismãs vodu, também sobre algumas pessoas que tem o poder de proteger a floresta ou o vilarejo através de orações e rituais pertencentes à outras religiões e por aí vai.
É um belo livro, de força, garra, superação e fé. Fiquei bastante comovida com a perseverança do autor em sempre colocar os estudos em primeiro lugar, em se esforçar na escola para poder ter uma vida melhor. Logo após terminar de ler esse livro fui conferir um pouco mais sobre o Chade e termino esse post dizendo que o ex-presidente Hissène Habré que torturou e matou mais de 40 mil civis no Chade, foi condenado à prisão perpétua e hoje cumpre a sua pena em um presídio no Senegal.
A Teenager in the Chad Civil War foi publicado originalmente em inglês em 2006. O livro está disponível em inglês na Amazon.
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