Uma coisa é certa, o Projeto 198 Livros me ajuda a conhecer um pouco mais de cada país do mundo, mas ainda assim, não posso falar eu conheço um país depois de ter lido somente um livro. Principalmente em se tratando de um país com uma extensão territorial, diversidade cultural e étnica como a China. O terceiro maior país do mundo em tamanho e que possui a maior população mundial, com 1.4 bilhões de pessoas.
Ainda assim, eu fiquei muito contente em ter sorteado a China pois tenho muita curiosidade em conhecer um pouco mais da literatura chinesa que já ouvi dizer que é riquíssima. Além disso, já havia anos que alguns livros de autores chineses estavam no meu radar.
Mas agora vamos a escolha do livro. Como de costume, em primeiro lugar fui conferir a lista da Camila Navarro. Ela escolheu ler Cisnes Selvagens, apesar desse livro estar na minha lista de leitura, eu não queria ler um calhamaço pois estava indo de férias então precisava levar um livro mais levinho comigo na mala.
Em seguida fui conferir a lista da Ann Morgan. Ela escolheu ler Banished! que pra mim pareceu ser um livro muito interessante, mas ainda assim não era exatamente o que eu estava procurando. Mas eu notei que tanto a Camila como a Ann tinham uma sugestão de leitura em comum, o livro The Good Women of China, e esse foi o livro que escolhi por dois motivos: primeiro porque esse livro já estava na minha lista de leitura desde 2019; e em segundo lugar porque muita gente que eu conheço já leu e amou esse livro.
The Good Women of China é um livro de não-ficção da autora chinesa Xue Xinran, que conta histórias reais da vida de mulheres chinesas durante e depois do período da Revolução Cultural chinesa, época em que o comunista revolucionário Mao Tsé-Tung governava o país. Uma das intenções de Xinran ao escrever esse livro era falar sobre a posição da mulher chinesa na sociedade para o mundo ocidental.
O ano era 1989, a China estava ainda começando o processo de ‘se abrir’ para o mundo ao comando do líder revolucionário Xiaoping que governou o país de 1983 a 1990. Xinran começa a trabalhar como locutora em um programa de rádio chamado Words on the Night Breeze, que discutia questões pessoais da vida das mulheres chinesas.
Não foi assim tão fácil comandar esse programa, ela enfrentou diversos obstáculos pois tudo que fosse ser divulgado tinha que passar por processo de aprovação de seus superiores para que os mesmos não sofressem censura do partido que comandava o país. E para que ela mesma não sofresse retaliações.
Essas questões discutidas em seu programa eram principalmente relacionadas à vida íntima, violência familiar, opressão e sexualidade. Por muitos anos as discussões sobre sexualidade eram proibidas, qualquer contato entre homens e mulheres que não eram casados levava à condenação pública ou até mesmo à prisão. O programa foi revolucionário para sua época.
Durantes seus anos como locutora desse programa, Xinran recebia pilhas e pilhas de cartas, assim como telefonemas anônimos com dúvidas de mulheres de diferentes classes sociais, diferentes idades e de todas as partes do país. Xinran, que tinha formação jornalística, viajou extensamente por todo país para fazer entrevistas para o seu programa. Ela utilizava de sua experiência para conquistar a confiança de suas entrevistadas e de forma cautelosa abordava esses assuntos com seus ouvintes.
No livro, Xinran compartilha conosco algumas de suas entrevistas, cartas e telefonemas recebidos no período de 8 anos (1989-1997) que trabalhou na rádio. Por décadas, a vida da maioria das mulheres chinesas foi sofrida demais. Tem algumas histórias de sucesso e outras que realmente cortaram meu coração. Uma delas se chama The Scavenger Woman, sobre uma mãe que vira catadora de lixo para poder acompanhar de longe a vida do seu poderoso filho político.
Outra história desse livro que me fez chorar do começo ao fim foi a The Mothers Who Endured an Earthquake, que conta a história de mães que perderem seus filhos em um terrível terremoto na cidade de Tangshan, mas que mesmo assim depois de tanta desgraça e tanta tristeza, encontraram forças para juntas abrirem um orfanato para cuidarem de crianças que perderam seus pais no mesmo terremoto.
Foi então quando Xinran se mudou para Londres na Inglaterra em 1997, que ela decidiu escrever esse livro para compartilhar essas histórias verdadeiras. Em suas próprias palavras, ela diz que caso tivesse escrito esse livro naquela época em que ainda morava na China, ela poderia até ter sido presa, coisa que ela não queria pois tinha um filho para criar sozinha.
Esse livro é uma verdadeira homenagem às vidas de inúmeras mulheres que foram destruídas por causa de um sistema patriarcal, injusto e corrupto. O que Xinran faz, com muita sensibilidade, é dar voz as mulheres chinesas que foram tratadas como mera ferramentas, e talvez continuem até os dias de hoje. Esse livro merece ser lido.
The Good Women of China foi publicado originalmente em inglês em 2002. O livro está disponível em inglês na Amazon.
No Brasil, o livro foi publicado em português com o título As Boas Mulheres da China e está disponível nesse link da Amazon.
Para saber mais sobre o Projeto 198 Livros, clique aqui.